A crise só vai acabar com novas eleições e reforma política, mãe de todas as reformas

  • Por:Ibsen Costa Manso
  • 1 Comment

O episódio do convite de Michel Temer ao médico Raul Cutait para ser o ministro da Saúde é um excelente exemplo do fisiologismo reinante e da completa obsolescência do atual sistema político brasileiro.

Temer pretendia formar um ministério de notáveis. Cedeu pragmaticamente à realidade de que hoje não é possível obter apoio no Congresso e recuperar um mínimo de governabilidade sem lotear a Esplanada entre os partidos, com critérios eminentemente políticos e não técnicos, devendo obedecer também à velha fórmula de distribuição regional de cargos.

Até aqui, Raul Cutait era uma das poucas, ou até mesmo a única personalidade notável na lista de ministeriáveis do vice-presidente, que circula extraoficialmente na imprensa. Indicado pelo PP, o renomado cirurgião paulista teria exigido controle total sobre as nomeações no ministério. A bancada do partido na Câmara chiou e ameaçou retirar o apoio ao provável novo governo. Resultado, o presidente da legenda, Ciro Nogueira (PP-PI), enrolado na operação Lava-Jato em razão de acusações do doleiro Alberto Youssef, em colaboração premiada, simplesmente desfez o convite ao amigo.

Agora, os deputados pepistas querem emplacar na Saúde o colega Ricardo Barros (PP-PR), que é advogado.

Essa receita adotada ultimamente para a construção de um governo de coalizão acaba mesmo por levar, quase que obrigatoriamente, a nomeações como essas, pouco recomendáveis, de parlamentares sem qualquer experiência administrativa ou técnica, claramente necessárias para a boa condução de um ministério.

Fernando Collor sofreu impeachment não apenas por conta dos casos de corrupção em que se meteu. Mas porque perdeu completamente a sustentação política no Congresso. Quis fazer um jogo diferente. Centralizador, também tentou montar um ministério de notáveis. Não distribuiu poder e nem, digamos, recursos suficientes aos mais variados interessados. Foi apeado do cargo pouco depois de cumprir apenas metade de seu primeiro mandato.

Vem daí a mudança na estratégia anteriormente anunciada por Temer. Pelo que se sabe nos bastidores sobre os nomes cogitados para o futuro ministério, todos ainda passíveis de confirmação, a grande maioria dos ministros será formada por deputados, senadores e líderes partidários.

De fato, é cada vez mais impraticável governar o Brasil. Há enorme fragmentação do poder político, com a absurda proliferação de partidos. Hoje são 35 agremiações partidárias, muitas “de aluguel”, sem nenhuma representatividade. Criar um partido virou uma lucrativa modalidade de empreendedorismo para alguns espertalhões.

Há vultosos repasses de dinheiro público por meio do fundo partidário; horário “gratuito” no rádio e na TV; financiamentos privados milionários nas campanhas, etc.. Balcões de negócios passaram a funcionar com sede oficial em Brasília, nos Estados e nos municípios.

Pelo menos uma coisa mudou. A partir das eleições deste ano, estão proibidas as doações de empresas. Muito do hoje se vê nos escândalos de corrupção em obras e estatais é fruto dessa promíscua relação entre o interesse privado e o setor público. No entanto, isso ainda é muito pouco para tudo o que tem de ser mudado ― com extrema urgência.

Entre outras propostas, especialistas sugerem medidas como voto distrital misto, cláusulas de barreira para desestimular a existência dos chamados partidos nanicos, revisão da representação parlamentar dos Estados na Câmara; fim das coligações para eleições proporcionais e até mesmo a adoção do parlamentarismo como sistema de governo. Sobre esse último tema, especialmente, há diversas controvérsias.

Não há dúvida de que o sistema parlamentarista, pelo menos em tese, pode proporcionar uma governabilidade mais estável e crises menos agudas quando da eventual substituição do chefe de governo. Ocorre, contudo, que o presidencialismo foi escolhido por ampla maioria do eleitorado no plebiscito realizado em 1993.

Na época, a campanha eleitoral vitoriosa argumentou que o parlamentarismo acaba por ser uma espécie de eleição indireta do governante. Os brasileiros não quiseram “abrir mão do seu voto” para presidente, terceirizando essa escolha para deputados e senadores.

Muitos não acreditavam, com certa razão, ser possível implantar um sistema parlamentar em um Congresso à brasileira. Em parte da Europa, principalmente nos países nórdicos, funciona razoavelmente bem.

A questão principal é: como fazer uma reforma política digna desse nome, que contribua para melhorar o nível dos nossos representantes? O próprio Parlamento atual se encarregaria dela? Ou seria melhor eleger uma constituinte exclusiva para esse fim, com integrantes do meio acadêmico, juristas, enfim, representando todos os setores da sociedade e não apenas a classe política, principal interessada em discutir essas “mudanças para melhor” no Legislativo? Melhor para quem?

Em passado recente, a ideia da constituinte exclusiva foi considerada inconstitucional.

Teve gente que vislumbrou golpe em curso, por conta do domínio que poderia haver por parte dos movimentos sociais.

Muitos tinham esperanças que o impeachment de Dilma Rousseff, e a ascensão de Michel Temer, seria a redenção de todos os males, que levaria ao fim da crise política e econômica como num passe de mágica.

A verdade é que apenas um novo presidente, eleito democraticamente, poderá ter algum êxito na reunificação do País. Somente assim, com o apoio majoritário da Nação, poderá encontrar o caminho para implantar todas as transformações que se fazem necessárias, a começar pela política, que vem a ser a mãe de todas as reformas.

Postado em: Economia, Política, Posts

Comentários

Uma resposta para “ A crise só vai acabar com novas eleições e reforma política, mãe de todas as reformas”

  1. Dalysio Moreno

    Sonhar é a última fronteira

    6 de maio de 2016 - 03:56 #

Deixe um comentário