Qvosque tandem abvtere, Catilina, patientia nostra?
Até quando, Catilina, abusarás de nossa paciência?
Cícero
Desde os primórdios da humanidade, a política, que em princípio deveria ser uma arte virtuosa voltada ao bem público, tem se revelado também pródiga em proporcionar acordos espúrios, corrupção, traições, golpes, assassinatos, etc..
Nesse sentido, a política brasileira e suas mazelas vêm ultimamente rendendo manchetes que revelam o uso continuado dos maus costumes e a proliferação de “malfeitos”, o que sempre me remete ao famoso discurso “Oh tempos! Oh costumes!”, de Marco Túlio Cícero (106 a.C. – 43 a.C) no Senado romano. Eleito cônsul em 63 a.C, Cícero logrou desbaratar uma conspiração liderada pelo senador Lúcio Sérgio Catilina (108 a.C. – 62 a.C), que visava a derrubar a República.
Vale a pena revisitar a história. Não é a primeira vez que recorro a esse título para tratar dos cenários brasilienses atuais. Infelizmente não deve ser a última.
A série de quatro pronunciamentos de Cícero contra Catilina, morto num campo de batalha um ano depois, ficou conhecida como Catilinárias. Não por acaso, esse foi o nome que batizou uma fase da operação Lava-Jato, em dezembro do ano passado, que cumpriu 53 mandados de busca e apreensão, na casa de Eduardo Cunha (PMDB-RJ), presidente da Câmara, além dos escritórios do presidente do Senado, Renan Calheiros (AL), do senador Edison Lobão (MA) e dos ministros Celso Pansera (RS) e Henrique Eduardo Alves (RN), entre outros. Todos são investigados por envolvimento no esquema de corrupção da Petrobras.
Eduardo Cunha foi peça fundamental para a aprovação do pedido de impeachment da presidente Dilma Rousseff na Câmara. Acusado também de quebra de decoro, por mentir sobre a existência de contas ilegais na Suíça, Cunha manobra há meses para manter seu mandato, em processo aberto no Conselho de Ética da Casa. É chamado de golpista por petistas e integrantes do governo, juntamente com o vice-presidente da República, Michel Temer (PMDB-SP).
Michel Temer ascendeu na hierarquia peemedebista com o ocaso e morte do ex-governador paulista Orestes Quércia (1938-2010). Por seus métodos, considerados pouco ortodoxos, Quércia foi o pivô de um racha no PMDB, nos final dos anos 80, que deu origem ao PSDB, fundado por Franco Montoro, Mário Covas, Fernando Henrique Cardoso e José Serra. O mesmo PSDB que hoje discute a participação em um eventual governo Temer.
As principais lideranças tucanas têm hoje posições e interesses antagônicos. Parte defende o apoio integral, com cargos no ministério que está sendo costurado por Temer. Outros preferem dar sustentação à distância, ou até mesmo a neutralidade, sempre com vistas às próximas eleições. O partido deve decidir o que fazer no início de maio.
Na eleição presidencial de 2010, o PMDB se aliou ao PT, não por identidade programática, mas sim por simples conveniência de ambos. O PMDB é o mais bem estruturado partido do País e, além de suporte político em milhares de municípios, entregou ao PT a parte do latifúndio que lhe cabia no horário eleitoral “gratuito”.
A chapa Dilma/Temer venceu a eleição, governou por quatro anos e foi reeleita em 2014. Durante todo esse período, os peemedebistas tiveram amplo espaço na Esplanada e serviram como principal alicerce da base aliada no Congresso.
Com o malogro na economia, a enxurrada de denúncias de corrupção contra o governo e a baixa popularidade da presidente Dilma, o PMDB decidiu abandonar o navio. Como se nada tivesse a ver com o imbróglio. Vem daí o sentimento de traição por parte das hostes petistas.
O PT, Lula e Dilma Rousseff se beneficiaram muito nesses anos de convivência com o PMDB. E vice-versa. Lotearam quase igualitariamente os ministérios, a Petrobras e diversos outros órgãos estatais. As empreiteiras fizeram a festa, como hoje se sabe. Deu no que deu.
O PMDB tenta agora rifar o ex-aliado para formar um “governo de salvação nacional”, com a provável ajuda do PSDB e do DEM. Há quem desenvolva a teoria conspiratória de que tudo não passa de uma mera tentativa de mudar tudo, para que tudo continue como está.
Centenas de parlamentares, dos mais diversos partidos, até mesmo da oposição ao governo Dilma, estão envolvidos nas denúncias que estão sendo investigadas no âmbito da operação Lava-Jato. Seria então o impeachment, e a consequente posse de Temer, uma fórmula urdida apenas para controlar melhor a polícia federal, o ministério público, o judiciário e, de quebra, consertar milagrosamente a economia? Pode até ser, mas há muitas controvérsias se surtirá algum efeito.
A operação Lava-Jato ganhou vida própria. Policiais federais, procuradores e o juiz Sérgio Moro prometem não dar trégua e voltar à carga já a partir desta semana. O STF tem se mostrado severo desde os tempos do Mensalão. As pesquisas mostram uma opinião pública muito mais atenta e atuante do que de costume. A conferir.
No campo político e econômico, a dúvida é se Temer conseguirá recuperar a credibilidade e aprovar medidas amargas no Congresso para recolocar o País nos trilhos, como a volta da CPMF, por exemplo.
Michel Temer também sofre de baixíssimos índices de popularidade. Além das dificuldades para articular um eventual novo governo, terá de enfrentar o crescente clamor por eleições diretas já, estratégia já anunciada por alas do PT, caso o partido venha a ser apeado do poder. Tudo leva a crer, portanto, que não teremos pela frente dias tranquilos, nem favoráveis.
Após a redemocratização, os partidos ditos de esquerda chegaram finalmente ao Planalto sem solavancos institucionais. Primeiro foi o PSDB, que decidiu adotar uma linha liberal na economia. Lula seguiu os mesmos passos, investindo mais no campo social.
A crise de 2008, a eleição de Dilma e as mudanças de rumo na política monetária e no controle dos gastos públicos levaram o Brasil à situação em que se encontra hoje. Desemprego galopante, inflação e juros estratosféricos, recessão, desconfiança em relação ao governo. Como consequência, falta de investimentos privados. O investimento público é pífio, em relação ao que é necessário para a retomada do desenvolvimento sustentável.
Com todo esse caldo de cultura descrito, ressurgem propostas esdrúxulas a torto e à direita. Muitos dão ouvidos a elas. O Brasil encontra-se dividido, com poucas esperanças no curto prazo, tendendo a radicalizações, com agressões verbais, sopapos e cusparadas por toda parte.
O pior de tudo é a total falta de novas lideranças, em todos os setores, como detalhei em artigo neste mesmo espaço, meses atrás.
Quando houver eleições, quem serão os candidatos, senão os mesmos que disputaram a presidência em 2014?
Segundo a última pesquisa do Datafolha, 60% dos entrevistados querem a saída de Temer da presidência que ele ainda nem sequer assumiu. É o mesmo porcentual obtido por Dilma. Seja por renúncia, impeachment ou cassação do mandato pelo TSE, em razão de irregularidades na campanha presidencial. Se isso vier a ocorrer, haverá eleições dentro de 90 dias.
Ainda segundo a pesquisa, se a eleição fosse hoje, Lula estaria à frente nas intenções de voto; seguido de Marina Silva e Aécio Neves. Geraldo Alckmin e José Serra também estão no páreo, como sempre. Se algum deles sair do PSDB para disputar a presidência por outra legenda, vão rachar o eleitorado tucano, pelo menos em São Paulo.
Claro, pesquisa não é voto na urna. Durante a campanha de 2014, fiz mais de 160 palestras para investidores no Brasil e no exterior, sendo 20 em Nova York, Washington, Boston e São Francisco. Na época, instituições e consultorias trabalhavam com projeções que davam Marina Silva com 80% de chance de vencer a disputa. Alertei para o fato de que a eleição seria muito disputada, não sendo possível àquela altura fazer qualquer prognóstico. Ao dizer que não sabia o que iria acontecer, acertei o cenário. O suspense durou até o dia da votação em segundo turno. Marina não estava entre os finalistas.
Marina Silva herdara a candidatura após a trágica morte de Eduardo Campos. Boa parte do mercado e do empresariado via com simpatia o seu projeto alternativo. Outra fazia críticas à sua pouca experiência administrativa e titubeio decisório, ao posicionamento mais à esquerda do que o adotado pelos governos petistas, além de ser ativista ambiental e muito religiosa. Quando o bombardeio na campanha começou de fato, com golpes abaixo da linha da cintura, os indicadores de intenção de voto em Marina se desintegraram, migrando para Aécio Neves.
O que deve ser motivo de preocupação hoje é exatamente todo esse mesmo cenário de imprevisibilidade. Sem falar na possibilidade de surgir um novo candidato, um salvador da pátria; seja agora, ou em 2018. Não é incomum que isso ocorra em situações de grave crise econômica e política e quando há também descrédito nas lideranças e nos partidos tradicionais. A história revela inúmeros exemplos. Muitos acabaram em fiasco ―outros tantos, em tragédia.
(publicado no LinkedIn em 25/04/16)
2 Respostas para “O tempora! O mores!”
Perfeito. Neste cenário atual falta uma liderança . Mas tenho comigo que é tenebrosa a possibilidade de Lula novamente no poder. Jamais o Brasil foi tão saqueado como no governo do PT. Os desvios dos recursos, a corrupção e os “esquemas” revelados deixam claro este fato. Todos os partidos estão comprometidos. Todos os poderes pactuam desta corrupção vergonhosa . O povo brasileiro não pode mais custear as “mordomias” do executivo, legislativo e judiciário, os cargos fantasmas, etc etc … O Brasil continua uma colônia de exploração ! A pergunta é : como e quando sairemos desta triste realidade?
Obrigado pelo comentário e pela leitura do blog, Bebê. Veja na aba Artigos, um que escrevi para o LinkedIn, em 18 de março, como o título “Nossa política é o fim do mundo? Como resolver?”. Abs. Ibsen