Crise política: quem acredita que Michel Temer vai cair da presidência por decisão do TSE?

  • Por:Ibsen Costa Manso
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Há meses, para não dizer anos, venho escrevendo nos meus relatórios para clientes, e em alguns posts neste Blog, a respeito das quatro ações impetradas pelo PSDB no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que pedem a cassação da chapa Dilma-Temer por irregularidades na campanha de 2014.

Finalmente amanhã, deve começar o julgamento. Há enorme expectativa e nervosa tensão em Brasília.

Até há bem pouco tempo, a mídia dava pouquíssimo ou nenhum espaço para o assunto. Só depois que o relator dos processos, ministro Herman Benjamin, começou a indicar que pode votar favoravelmente ao afastamento de Michel Temer da presidência da República é que a ficha caiu na imprensa e na opinião pública.

Nos últimos dias, a Época, a IstoÉ e os principais jornais brasileiros publicaram páginas e mais páginas a respeito desse caso complexo, arrastado, preocupante e de certa forma inédito. Não que antes inexistissem tentativas de cassação de um presidente (ou vice) eleito, ao contrário de tudo o que foi publicado. Mas jamais uma ação desse tipo chegou tão longe, com tantas provas contundentes de ilegalidades milionárias numa eleição.

Ocorre que, se houver uma condenação que leve à perda do cargo do presidente, à esta altura do campeonato, haveria eleições indiretas, pelo atual Congresso, para um mandato tampão até o final de 2018, o que ainda nem sequer está regulamentado na legislação (outro tema que já abordei aqui neste espaço diversas vezes). Ou seja, poderia haver uma crise política sem precedentes.

Mas quem acredita que o TSE vai mesmo tirar Michel Temer do cargo? Eu não. Pelo menos visto de hoje acho pouquíssimo provável. Explico.

Depois da reeleição de Dilma Rousseff, há pouco mais de dois anos, os tucanos resolveram contestar a vitória da petista na justiça eleitoral. Mais precisamente deram entrada com as ações citadas no TSE no final de dezembro de 2014, no último prazo previsto pela legislação. Na chamada “inicial acusatória”, os advogados do PSDB acusavam a chapa vencedora (leia-se Dilma e Temer) de abuso do poder econômico. As provas eram frágeis e nem mesmo juristas ligados ao partido botavam fé no sucesso da empreitada.

À época, ainda não tinham vindo à tona o conteúdo bombástico das delações premiadas da Odebrecht e nem as informações de repasses milionários para gráficas de fachada, que supostamente teriam prestado serviços ao PT. E são exatamente esses os principais elementos probatórios do relatório de Herman Benjamin, que pode começar a ser apresentado a partir de amanhã.

De seu lado, a defesa de Michel Temer argumenta ter havido separação entre as contas do PMDB e do PT, com CNPJs distintos, que o atual presidente não sabia de nada, nunca pediu recursos via caixa 2 e nem jamais tratou de valores com ninguém. Pode até ser verdade. Mas Marcelo Odebrecht afirmou, só para citar um dos episódio relatados, que combinou com Eliseu Padilha o repasse de R$ 10 milhões para candidatos do PMDB, sendo que R$ 6 milhões foram destinados à campanha de Paulo Skaf ao governo de São Paulo. Lembrando que há, ademais, a acusação de que um pacote contendo bolada de R$ 1 milhão, em dinheiro vivo, teria sido entregue no escritório do advogado José Yunes, amigo de Temer e seu ex-assessor no Planalto.

Já a defesa de Dilma entregou documentos mostrando que o tesoureiro de sua campanha, Edinho Silva, assinou diversos recibos de repasses para a campanha de Temer, via caixa 1, pasmem.

A tese da separação de contas e de individualização das responsabilidades já é bastante controversa em si. Com todos esses indícios de falcatruas, de parte a parte, esse argumento torna-se praticamente inviável.

O fato, simplesmente, é que Michel Temer não chegou ao Planalto por inércia. Só está lá porque pegou carona na campanha de Dilma. Ou seja, se houve irregularidades, ele se beneficiou delas, mesmo que de forma indireta ou inadvertidamente. Ponto.

Acontece que todas essas provas, absolutamente devastadoras, podem ser invalidadas durante o transcorrer do julgamento.

No início de 2015, um advogado ligado ao próprio PSDB, com quem conversei demoradamente, afirmou que elas não poderiam constar do processo, porque não estavam na inicial; e foram obtidas de forma irregular, oriundas de vazamento das delações premiadas, que até hoje se encontram sob sigilo no Supremo Tribunal Federal (STF).

Herman Benjamin, pelo que se sabe de seu relatório, também “sigiloso”, baseou-se em notícias de jornais para determinar, “ex-officio”, ou seja, sem ter sido provocado pelas partes ou pelo Ministério Público, providenciais investigações sobre o esquema das gráficas e novos depoimentos dos delatores da Odebrecht. Detalhe: a defesa de Dilma nem sequer rebateu essas acusações, uma vez que também não constavam da inicial.

Estranhamente, o próprio PSDB “aliviou” as acusações contra Michel Temer. Segundo consta do documento com as considerações finais do partido, não teria ficado comprovado que o presidente de plantão tenha participado, ao menos teve ciência das irregularidades. Em dado momento, revelou-me outra fonte, os tucanos pensaram em pedir, até mesmo, a retirada das ações do TSE. Foram desaconselhados por seus advogados. O desgaste de imagem seria fatal. E, além disso, o Ministério Público Eleitoral poderia exigir a continuidade das ações, atuando ainda com mais rigor do que já de seu costume.

No mês passado, durante sessão na 2ª Turma do STF, que cuida da Lava-Jato, o ministro Gilmar Mendes aventou a possibilidade de invalidar todas as provas e acordos de delações premiadas que vazaram para a imprensa. Não foi a primeira vez, diga-se de passagem. O episódio rendeu um lamentável embate com o procurador-geral da República, Rodrigo Janot. Mendes é o presidente do TSE e vai conduzir este julgamento na Corte eleitoral. Estaria ele se referindo também ao que ocorreu nessas ações do PSDB? Tanto a defesa de Temer como a de Dilma pedem a anulação dessas provas. A conferir.

Gilmar Mendes vem sendo duramente criticado por suas posições políticas e manifestações recentes de suas opiniões, por vezes controversas. Hoje, reportagem da BBC relata diversos encontros fora da agenda que ele manteve com o presidente Michel Temer, de quem se diz amigo há décadas. No início do ano, ele viajou com Temer para Portugal, no avião presidencial, para o funeral do ex-primeiro-ministro português Mário Soares. Acabou não participando da cerimônia, em razão de uma alegada crise de labirintite. Sempre que perguntado se alguma vez, nessas tantas conversas de alcova, ele  tratou especificamente do julgamento com Temer, Gilmar nega peremptoriamente. Se vai trabalhar para arrastar os trabalhos? Diz que foi responsável por desengavetar as ações, enviadas em 2015 ao arquivo pela então ministra Maria Thereza de Assis Moura. É verdade. Só que isso aconteceu quando Dilma Rousseff ainda era presidente. Para juristas ouvidos pela BBC, Mendes deveria se considerar impedido de julgar Michel Temer. Como se vê, há inúmeras controvérsias.

Além dessas questões técnicas, processuais e até de foro íntimo, que poderão ser tratadas já nas discussões preliminares da sessão de amanhã (sem mencionar os aspectos de enormes impactos políticos e econômicos, sempre citados em matérias e editoriais) há diversas outras.

A defesa de Dilma Rousseff pediu cinco dias de prazo para sua última manifestação. Herman Benjamin concedeu apenas dois, com base no que está disposto na lei das inelegibilidades. No entanto, os demais ministros podem ter outro entendimento. Se o tempo for estendido, haverá, obrigatoriamente, mudança na composição do tribunal. No dia 16 de abril, o ministro Henrique Neves deixará a corte. Será substituído por Admar Gonzaga, indicado pelo presidente Michel Temer, como reza a Constituição. Advogado, Gonzaga já atuou para diversos partidos, entre eles o próprio PT. Ele ocupa a vaga de ministro substituto no TSE e nega ter qualquer relação íntima com Temer. Há que se dizer que essa é uma substituição natural, aparentemente insuspeita. Em maio, a ministra Luciana Lóssio também será substituída; e em outubro, quem sai é o relator Herman Benjamin. Se não apresentarem os seus votos a seu tempo, seus substitutos o farão em seu lugar. O Planalto, dizem, contaria com essas mudanças, a seu favor. Mais controvérsias, portanto.

Nos tempos do Mensalão, muito se falou sobre a maioria do STF ter sido indicada pelos governos do PT, a começar por Joaquim Barbosa. Deu no que deu. O caso do TSE é um tanto diferenciado, uma vez que o período dos indicados para o exercício da função é de apenas dois anos, e não vitalício, como nas sonhadas nomeações para o Supremo. A conferir 2.

Por fim, mesmo que essas e outras questões apontadas se resolvam com celeridade, qualquer ministro poderá pedir vistas ao processo (afinal são mil páginas, apenas do relatório, e mais de 5 mil páginas, distribuídas em 26 volumes entregues pelo relator, além dos incontáveis anexos de provas), sem prazo determinado para seu retorno ao plenário do TSE.

O primeiro a votar será Herman Benjamin. Em seguida votará o ministro Napoleão Nunes, que, segundo o Estadão, já sinalizou que apresentará pedido de vistas. Depois, quando retomados os trabalhos, sabe-se lá quando, votarão os demais ministros, por ordem de antiguidade. Em tese, Gilmar Mendes só deve votar em caso de desempate. Quem viver, verá.

Enfim, considerando-se que, ao final e ao cabo, a decisão seja pela perda do cargo, bem como do direito à elegibilidade, tanto de Temer como de Dilma Rousseff, ainda caberiam recursos ao próprio TSE e ao STF. A agilidade nos trâmites dos tribunais superiores é de conhecimento público. Vem daí toda a discussão atual sobre o fim do foro privilegiado. Sinônimo de prescrição dos crimes e impunidade.

Em resumo, o mais provável, a meu ver, é que Michel Temer chegue tranquilamente ao final de seu mandato, conquistado às custas de esquemas inconfessáveis de propinas, doações ilegais, etc.; e, claro, com o impeachment de Dilma. Que não foi golpe, pois seguiu o rito previsto pela Constituição, assim como ocorreu com Fernando Collor, aliás com amplo apoio do PT.

A não ser que surja um fato novo. Que leve a uma solução inusitada, quem sabe, no extremo, de uma quebra nas regras institucionais vigentes. Mas isso está na esfera do imponderável e não, pelo menos por enquanto, dos autos destes processos em voga.

Durma-se com um Brasil destes. Poderia ser pior. Talvez, quiçá,  um modelo venezuelano ou paraguaio, por exemplo? Ou de uma jabuticaba brasillis?

Ainda chegaremos lá? Sinceramente, espero que não.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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