“A novidade do dia de hoje foi outra PEC, que pode sair do armário e entrar na concentração: a que daria autonomia ao Banco Central. A proposta ganhou força depois das coreografias desastradas do governo e do BC na condução do carro alegórico da política monetária. Em resumo, trocaram o mestre-sala da economia, mas não a porta-bandeira.”
Boa parte dos brasileiros vai acordar para a realidade nesta quarta-feira de cinzas como o diabo gosta. Inflação alta, índices de desemprego já beirando dois dígitos, juros estratosféricos, PIB abaixo de zero, dólar acima de R$ 4, por enquanto. Fora o resto…
Claro, não é a primeira vez que enfrentamos uma rebordosa depois do carnaval, quando normalmente o ano começa no Brasil. Mas nunca antes na história dos foliões tupiniquins se viu uma ressaca como esta. Pior: pode durar anos e, pelo visto, não há Engov econômico, ou político, que dê jeito na enxaqueca que assola o País.
O diagnóstico para a síndrome de abstinência econômica até que é simples; e os remédios são de prateleira. O problema vem do efeito colateral da ingestão indevida de, digamos, combustível tóxico na área política.
Sim, trataremos aqui, inicialmente, apenas do propinoduto de álcool e gasolina. Porque, pelo que se ouve nas coxias dos salões palacianos, ainda veremos desfilar muitos outros blocos de esfarrapados, num festim que parece interminável. Tem gente só querendo ver a banda passar rápido, em camarote triplex, ou sitiado num bote, torcendo para não aparecer nenhum passista com a máscara do japonês da federal.
As denúncias, investigações, prisões e condenações decorrentes da operação Lava-Jato paralisam o Congresso. Há dezenas, talvez centenas de parlamentares e políticos enrolados nas serpentinas dos esquemas de corrupção de Petrobras, e de muitos outros órgãos e empresas estatais, que foram transformados em escolas de samba do crime.
Como dissemos, esse é só o começo do desfile. A Lava Jato seria apenas uma espécie de abre alas. Ah, é bom esclarecer, desde o início: esse carnaval ruinoso não começou agora, vêm de séculos. A comissão julgadora tem de caprichar na apuração.
Em tese, o Parlamento deveria voltar a funcionar a pleno vapor esta semana, depois de mais de um mês de recesso, como se crise também saísse de férias. Em pleno Dia de Iemanjá, o esforço começou a fezer água. A começar pelo retorno à estaca zero do processo de cassação do presidente da Câmara, deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ).
E agora tem carná! Alguma de suas excelências só vão dar as caras em plenário nestes dias se for para rasgar a fantasia.
Sendo assim, o mais provável é que o Congresso só retome o ritmo forte da batucada na segunda quinzena de feverê. Quiçá em março. Enredos bons e ruins não faltam.
O ideal seria começar o ano com projetos estruturantes, que seriam fundamentais para tirar o País da zona de dispersão. Lembrando que acabamos de ser rebaixados para o grupo de acesso do investment grade. Reforma fiscal e tributária, previdenciária, política? Difícil. Quem sabe depois dos bailes de máscaras pós-eleição presidencial, em 2019.
Na Câmara, as atenções devem se voltar para a nova escolha da comissão especial do impeachment, determinada pelo STF; e para a continuidade do processo de cassação do mandado do presidente da Casa. Outro tema em pauta é o Código de Mineração, que deve sofrer alterações depois do desastre na barragem da Samarco, em Mariana (MG). É, o ano de 2015 foi mesmo de lascar. Só espero que não tenhamos saudades.
O Congresso tem ainda os desafios de votar, por exemplo, a Desvinculação das Receitas da União (DRU), para ajudar a tornar mais flexível o orçamento, que estourou o cronômetro na avenida Brasil; e a CPMF, que hoje mais parece mera alegoria, um sonho de verão do governo. Ambas são projetos de emendas constitucionais (PECs), que precisam de 3/5 dos votos na Câmara e no Senado. Com essa ala governista que está aí, na qual não reina qualquer harmonia, ao contrário, é grande o risco do samba do Planalto atravessar ainda antes de esquentar os tamborins.
A novidade do dia de hoje foi outra PEC, que pode sair do armário e entrar na concentração: a que daria autonomia ao Banco Central. A proposta ganhou força depois das coreografias desastradas do governo e do BC na condução do carro alegórico da política monetária. Em resumo, trocaram o mestre-sala da economia, mas não a porta-bandeira. Aparentemente, é ela quem decide mesmo como e para onde se desfila, fazendo, de novo, ouvidos moucos para a ordem de paradinha da bateria do mercado. Dessa forma, fica impossível obter boas notas da banca de jurados das agências de risco e, assim, voltar a obter confiança dos carnavalescos de plantão, atrair investimentos, etc.
De um lado, o samba-enredo segue cantando firme a austeridade fiscal. A presidente da nossa agremiação baixou, sem que houvesse obrigatoriedade legal, decreto limitando em 1/12 os gastos dos ministérios. De outro, reduziu novamente a tarifa de energia e anunciou medidas de estímulo ao crédito via bancos estatais e até com a utilização de recursos do FGTS, que também é da comunidade, diga-se pedindo passagem. Sem falar da ameaça do uso das reservas cambiais. Enquanto isso, Estados e municípios, quase todos quebrados, querem renegociar dívidas e lançar mão dos depósitos judiciais para pagar precatórios.
Em suma, com a soma (ou subtração) de todos esses quesitos, principalmente evolução, não há patrono que dê conta de cobrir o rombo. Só aumentando imposto, claro. Cortar gastos e luxos nos adereços que é bom…
Ontem, até que Dilma Rousseff se esforçou bastante para dar comandos de direção à escola. Foi ao Congresso; beijou alguns destaques, outros não. Fez um discurso político, pediu apoio. Até que enfim!
Desde o carnaval do ano passado eu vinha dizendo aos meus clientes que, a meu ver, um dos maiores erros da presidente foi exatamente não ter ido à abertura do ano legislativo, no início de seu segundo mandato. Poderia ter cuidado melhor das feridas e bolhas, depois das desastrosas derrotas nas eleições de Renan Calheiros e Eduardo Cunha para as presidências do Senado e da Câmara.
Naquela ocasião, preferiu enviar como puxador do samba o então ministro da Casa Civil Aloizio Mercadante, considerado por muitos o principal pierrô da crise. Eu também estava lá naquele dia fatídico. Foi lido um discurso enfadonho, com mais de uma hora e meia de duração, com um balanço laudatório do primeiro governo, que teria obtido retumbante sucesso. O maior espetáculo da terra mesmo. Se Dilma tivesse agido de forma diferente nesse tempo todo, quem sabe hoje haveria mais paz e alegria na avenida. Mas ela resolveu posar de colombina. Deu no que deu.
Eis a questão. Parece que a presidente não consegue entender direito o que está de fato acontecendo nos últimos tempos nas ruas e avenidas de todo o País e do mundo. Da Vila Madalena à Paulista, do Eixo Monumental à Sapucaí, em Nova York (de Wall Street à 46th), ou no Nordeste, onde o bicho, como sempre, promete pegar mais e primeiro daqui para frente, em todos os sentidos. E não porque, simplesmente, Dilma é pouco chegada num tríduo momesco. O problema, no fundo, é que ela não gosta de ouvir. Seja algazarra, ou palpite. Claramente não suporta ser contrariada. Odeia política e certos políticos.
Sim, apesar disso tudo, Dilma Rousseff foi reeleita, democraticamente, embora esteja ameaçada agora de cassação e de impeachment (o que ainda considero hipóteses remotas, além de preocupantes, como já escrevi aqui neste espaço do sambódromo brasileiro).
No país do futebol e do carnaval, ela não bebe, não joga, vive enclausurada no bloco da solidão. Pobre Dilma. Para nós, assistindo aqui da arquibancada, vai ser a ressaca perfeita, daquelas da “marvada” mesmo. Seria muito melhor que todos nós pulássemos o carná, como certa vez me recomendou, vejam só, um senador baiano. Pular, que fique bem claro, no sentido de não brincar, para que caíssemos logo na real. Só que não! Hoje, ziriguidum é novamente a palavra de ordem da folia brazuca.
Desculpem, não queria estragar a festa de ninguém.
ICM
(Publicado originalmente no LinkedIn)
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