Impeachment já?

  • Por:Ibsen Costa Manso
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“Tem muita gente que compara o atual momento com o do impeachment de Fernando Collor. É completamente diferente.”

Desde 2013, milhões de brasileiros foram às ruas em todo o País, portando bandeiras e entoando gritos de guerra a favor do impeachment da presidente Dilma Rousseff. De lá para cá, a crise econômica se agravou, com recessão, aumento do desemprego, alta da inflação e dos juros. A popularidade da presidente atingiu o patamar mais baixo desde os tempos de Collor. Então ela está com os dias contados, certo? Não necessariamente…

Nas palestras que faço para meus clientes, apresento três cenários básicos: 1) Impeachment/cassação; 2) Sarneyzação; 3) Dilma deixa o isolamento. Os três cenários são intercomunicantes, ou seja, no extremo, um pode levar ao outro. Visto de hoje, entendo que o primeiro é o mais remoto. Não que não possa ocorrer, como explicarei mais adiante.

O processo que chamo de “sarneyzação” já foi tratado aqui neste espaço, em artigo anterior. Trata-se de um longo período de crise política e econômica, em que o presidente amarga baixíssimos índices de popularidade, como no governo do ex-presidente José Sarney ― e que parece estarmos revivendo hoje. Com o agravante de que a presidente Dilma não tem a mesma aptidão de Sarney para a política e enfrenta sérias dificuldades de diálogo com a base aliada no Congresso e a sociedade. A questão é saber se o País aguenta essa situação até 2018. Um agravamento dessa crise político-econômica e de impopularidade poderia, em tese, nos levar até a materialização do cenário 1.

No terceiro cenário, o governo consegue sair das cordas. Foi o que pareceu que iria acontecer quando Joaquim Levy entrou em campo nas negociações com o Congresso e, depois, com a indicação de Michel Temer para a coordenação política do Planalto. Após alguns vários tropeços e a saída de Temer, voltamos novamente para o cenário 2, turbinado com a perda do Investment Grade e a escalada de alta do dólar.

Por essas e por outras é que a percepção de boa parte da opinião pública e de alguns políticos, principalmente na oposição, é de que rumamos celeremente para o impeachment da presidente. Alguns acreditam que se dará até o fim do ano. Há controvérsias.

O processo de impeachment é, sim, eminentemente político, mas carece de um mínimo de fundamentação jurídica. E o fato é que, pelo menos até agora, não surgiu nada de concreto, nenhum “ato de ofício”, nenhuma prova de crime ou irregularidade que atinja diretamente a presidente Dilma Rousseff. Falta uma “Elba”, como aquela que derrubou Collor. Se amanhã aparecer, a história pode mudar. O que existe no momento são acusações, denúncias, investigações, indícios.

Vejam o que dizem os artigos 85 e 86 da Constituição Federal, que tratam dos processos contra o presidente da República:

Art. 85. São crimes de responsabilidade os atos do Presidente da República que atentem contra a Constituição Federal e, especialmente, contra:

I – a existência da União;

II – o livre exercício do Poder Legislativo, do Poder Judiciário, do Ministério Público e dos Poderes constitucionais das unidades da Federação;

III – o exercício dos direitos políticos, individuais e sociais;

IV – a segurança interna do País;

V – a probidade na administração;

VI – a lei orçamentária;

VII – o cumprimento das leis e das decisões judiciais.

Parágrafo único. Esses crimes serão definidos em lei especial, que estabelecerá as normas de processo e julgamento.

Art. 86. Admitida a acusação contra o Presidente da República, por dois terços da Câmara dos Deputados, será ele submetido a julgamento perante o Supremo Tribunal Federal, nas infrações penais comuns, ou perante o Senado Federal, nos crimes de responsabilidade.

  • 1º O Presidente ficará suspenso de suas funções:

I – nas infrações penais comuns, se recebida a denúncia ou queixa-crime pelo Supremo Tribunal Federal;

II – nos crimes de responsabilidade, após a instauração do processo pelo Senado Federal.

  • 2º Se, decorrido o prazo de cento e oitenta dias, o julgamento não estiver concluído, cessará o afastamento do Presidente, sem prejuízo do regular prosseguimento do processo.
  • 3º Enquanto não sobrevier sentença condenatória, nas infrações comuns, o Presidente da República não estará sujeito a prisão.
  • 4º O Presidente da República, na vigência de seu mandato, não pode ser responsabilizado por atos estranhos ao exercício de suas funções.

É exatamente nesse último parágrafo que começam as divergências dos juristas. A questão é: a presidente pode responder por atos cometidos em seu mandato anterior? Pareceres contra e a favor ao afastamento da presidente Dilma surgem aos borbotões. Já o que eventualmente decidiria o STF e o Congresso talvez só deus saiba.

Um dos problemas é que a lei que normatiza o processo de impeachment data de 1950, quando não havia o instituto da reeleição. Quem tiver interesse pode acessar a íntegra da lei em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L1079.htm.

Apenas como exercício, imaginemos que fosse instaurado o processo de impeachment, com 2/3 dos votos dos deputados federais (lembrando que, pelo menos na teoria, o governo tem ampla maioria na Câmara). Nesse caso, a presidente seria afastada do cargo por até 180 dias. Quem assumiria? Interinamente o vice, Michel Temer. Haveria, então, outra tramitação no Senado e nova votação, também com necessidade de quórum qualificado de 2/3 dos senadores para o impedimento definitivo. A base de senadores aliada ao Planalto costuma ser mais fiel que a da Câmara.

Em resumo, não será tarefa fácil, nem rápida, afastar a presidente. A não ser que surjam provas e/ou a situação se deteriore a um ponto insuportável. E as chamadas “pedaladas fiscais”, que podem levar o Tribunal de Contas da União a rejeitar as contas União no governo anterior (note, governo passado)? Bem, se forem mesmo rejeitadas pelo TCU, ainda precisam passar pelo crivo da Câmara e do Senado, e também rejeitadas por 2/3 dos parlamentares, em ambas as casas. Se isso vier a acontecer, qualquer cidadão poderá entrar com denúncia por crime de responsabilidade contra a presidente. Daí vem novamente a pergunta: ela já poderia estar sujeita a impeachment, ou essa discussão vai parar no Supremo Tribunal Federal?

Outro caminho menos tortuoso tentado pela oposição, PSDB à frente, é a cassação da chapa Dilma/Temer por supostas irregularidades na campanha de 2014. Há seis processos nesse sentido tramitando no Tribunal Superior Eleitoral. Quem disser que sabe o resultado, arrisca-se muito. De qualquer forma, cabem inúmeros recursos, até mesmo ao STF. Seria uma longa jornada.

Caso Dilma e Temer viessem a ser cassados, assumiria o presidente da Câmara, hoje o deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), imaginem só. Se isso ocorrer até o meio do mandato, ele terá 90 dias para convocar novas eleições, diretas. Se for após a metade, a eleição será indireta, realizada pelo Congresso. No entanto, há um precedente na jurisprudência que determinou outro desfecho. Foi no Maranhão, em 2009. O então governador Jackson Lago foi cassado e quem assumiu o seu lugar foi Roseana Sarney, segunda colocada na eleição. Como se vê, o futuro é duvidoso. Como dizia o ex-ministro Pedro Malan, “no Brasil até o passado é incerto”.

O que me leva a crer que é baixa probabilidade de impeachment é que, do ponto de vista político, ninguém quer assumir este abacaxi. Aparentemente o único interessado é Aécio Neves. Deve acreditar que se assumir a presidência os ventos mudam, a credibilidade volta e ele salva a pátria, entrando para a história na esteira de seu avô, Tancredo Neves. Pode até ser. Mas não será um passeio.

Tem muita gente que compara o atual momento com o do impeachment de Fernando Collor. É completamente diferente. Quase a totalidade da população queria seu afastamento (mais de 30% são contra a saída de Dilma do poder). Ele era de um partido minúsculo, insignificante. Não é o caso do PT. O governo conta ainda com o apoio de sindicatos, centrais sindicais e movimentos sociais como o MST, entre outros. Por tudo isso, não acredito que haveria uma transição tranquila, como aconteceu com a ascensão de Itamar Franco.  É pagar para ver. Façam suas apostas!

ICM

Foto: Antonio Scorza/AFP/Getty Images

(Publicado originalmente no LinkedIn)

Postado em: Política, Posts

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