“O imbróglio com que há décadas nos debatemos é: nossos governantes deveriam ser políticos competentes, ou bons administradores? Claro, o ideal é ‘ambos’. A desgraça é quando não são nem uma coisa, nem outra.”
Se um extraterrestre pousasse sua espaçonave na Praça dos Três Poderes, em plena comemoração deste Sete de Setembro (Independence Day), estaríamos numa enrascada. Afinal, quem apresentaríamos a ele para falar em nome da combalida nação brasileira? Aqui não indago apenas a respeito de lideranças políticas, mas de qualquer setor da sociedade. Seja no campo empresarial, cultural, religioso, militar, you name it!
A grave crise político-econômica que enfrentamos hoje deriva exatamente, a meu ver, dessa falta de estatura e dimensão nacional das lideranças no País. Não foi por outra razão que o vice-presidente da República, Michel Temer (PMDB-SP), então coordenador político do Planalto, fez um apelo dramático, após sofrer no Congresso inúmeros revezes que ameaçam o ajuste fiscal: “…precisamos de alguém que tenha a capacidade de reunificar a todos”.
Temer foi acusado de tramar contra a presidente, o que não me parece ter ocorrido nessa ocasião. O tom foi mais o de um desabafo, pois ele próprio, Michel Temer, padece da síndrome de falta de autoridade entre seus liderados. No dia da primeira votação na Câmara do projeto que concede reajuste para a Advocacia Geral da União (AGU) e outras categorias do funcionalismo, Temer se reuniu com todos os líderes da base muy aliada ao governo e acertou um acordo de adiamento da pauta. Na hora do vamos ver, todos votaram contra. O problema é que Michel Temer não é uma liderança inconteste nem mesmo dentro de seu partido, o PMDB, como foi o velho Ulysses Guimarães, por exemplo. Ou seja, Temer não está para o PMDB, como Lula está (ou estava) para o PT.
O PMDB atual é parte do que restou do antigo MDB dos tempos do bipartidarismo vigente durante o regime militar. Naquele tempo, quem quisesse fazer oposição pela via parlamentar, obrigatoriamente tinha de se abrigar na legenda. Com a redemocratização, a agremiação perdeu quadros para os novos partidos que foram se formando. Depois rachou de vez, com a criação do PSDB. Líderes tucanos, principalmente de São Paulo (entre eles Franco Montoro, Mário Covas e José Serra), discordavam dos novos rumos apontados por Orestes Quércia, que passou a dominar o PMDB paulista. Ulysses não abandonou o barco peemedebista até sua morte, num trágico acidente de helicóptero, em 1992. Homens (e mulheres) como ele fazem muita falta hoje.
De lá para cá, o PMDB se transformou numa confederação de caciques regionais, cada um com seus próprios interesses, muitas vezes conflitantes. Romero Jucá em Roraima, Jáder Barbalho no Pará, José Sarney no Maranhão e Amapá, Jarbas Vasconcelos em Pernambuco, Renan Calheiros em Alagoas, Geddel Vieira Lima na Bahia, Sérgio Cabral no Rio, Pedro Simon no Rio Grande do Sul. Nem sempre governista, nem sempre oposicionista, mas eternamente no governo. Assim é o PMDB atual, principal partido aliado ao Planalto no Congresso e vital para a governabilidade.
Michel Temer tornou-se uma liderança forte no partido em São Paulo no rastro do ocaso de Quércia, morto em 2010, coincidentemente quando Temer tornou-se vice-presidente. Mas daí a ter poder supremo sobre o PMDB, ou diante do presidente do Senado, Renan Calheiros, e da Câmara, Eduardo Cunha (RJ), vai uma longa distância.
E o PT? O partido está acuado, com várias de suas lideranças históricas atrás das grades, ou suspeitas de participação no maior escândalo de corrupção da história. Praticamente só restou Lula, que ameaça voltar nas eleições de outubro de 2018, quando completará 73 anos. E a oposição? Que oposição?! Apesar de ter saído das urnas de 2014 com quase a metade dos votos, o PSDB não acerta o passo e o discurso. Só quem fala e chama a atenção é Fernando Henrique Cardoso. Não houve renovação à altura entre os tucanos. Longe disso. Já o DEM está ameaçado de fusão, ou extinção. No mais, há algumas vozes estridentes na extrema esquerda e na extrema direita, que têm a devida representação raquítica no Congresso que a democracia lhes confere. Finalmente, como eu disse anos atrás a um ministro no Palácio do Planalto, quem tem uma base aliada como esta não precisa mesmo de oposição.
O ex-presidente Lula deve estar hoje profundamente arrependido de ter alçado Dilma Rousseff para sucedê-lo no mais alto posto da República. Não cabe aqui entrar no mérito de suas realizações administrativas, de suas pedaladas à beira do Paranoá, ou das suspeitas de crimes eleitorais e acusações de corrupção em seus governos. O tema em voga é liderança. Essa é a questão: Dilma nunca foi líder no PT, nem no PDT, seu partido de origem. Jamais amassou barro para disputar uma eleição para vereador, prefeito, deputado, senador, governador. Não foi líder estudantil ou sindical. Chegou direto à presidência, depois de passar apenas por uma secretaria estadual e pelos ministérios de Minas e Energia e da Casa Civil. Claramente foi um fenômeno um tanto antinatural para uma carreira política típica. Um poste colocado lá, como se diz popularmente no Brasil. Para piorar, ela não é afeita ao diálogo, não gosta de política e muito menos de certos políticos. Tem o conhecido costume de exercer sua liderança no berro, sendo que autoridade não se impõe, conquista-se. Pode até ser honestíssima, séria e trabalhadora, mas isso não vem ao caso. É o mínimo que deve se esperar de um governante.
A fórmula de decisões goela abaixo pode dar algum resultado no Politburo, em regimes autoritários, em organizações de comando centralizado, como foi a Var-Palmares, da qual Dilma fez parte. Aqui não funciona, como se percebe facilmente hoje em Brasília. Medidas Provisórias do governo são rejeitadas ou rotineiramente desfiguradas; vetos presidenciais podem ser derrubados ainda nesta semana, o que há décadas não acontecia. Sem falar dos projetos de iniciativa do Congresso na chamada “pauta bomba”, que têm potencial de implodir as contas públicas.
Neste ponto é importante deixar bem claro que esse enfraquecimento na liderança do governo Dilma, a impopularidade recorde da presidente e o fiasco na economia não são razões suficientes tirá-la da Presidência. Dilma foi democraticamente ungida presidente e só deve deixar o cargo se for encontrada alguma prova concreta contra ela, por seus atos, no exercício de seu mandato, ou na campanha eleitoral. É o que reza a Constituição. Até o momento isso não ocorreu. O que há, pelo menos por enquanto, são investigações, indícios, teorias conspiratórias de “domínio do fato”. Então, voltemos à questão da liderança na política.
O imbróglio com que há décadas nos debatemos é: nossos governantes deveriam ser políticos competentes, ou bons administradores? Claro, o ideal é “ambos”. A desgraça é quando não são nem uma coisa, nem outra. Ah, sim, e preferencialmente honestos. Lembram-se do “rouba, mas faz”, que surgiu por aqui na década de 40 e fez escola em certas freguesias? A consequência trágica dessa prática foi a demonização da política. Exemplificando…
No ano passado, um amigo palestrante participava de um seminário com grandes empresários. A grita geral era contra a corrupção generalizada, a incompetência e o desgoverno, a crise, a inflação, o desemprego, todos esses assuntos que povoam até mesmo as conversas nas mesas de bar. Ele perguntou de chofre: “Quem aqui está investindo na preparação de seu filho para que ele se torne político?”. Silêncio na platéia.
É simples assim. Enquanto as pessoas de bem não participarem ativamente da política, enquanto não houver investimento na boa formação de líderes, de ciência e consciência política, de administradores públicos (com ética no curriculum, por favor), enquanto existir impunidade, clientelismo e educação de má qualidade, continuaremos envoltos neste estado de coisas. E ainda pode piorar muito.
Nas apresentações que faço para meus clientes, alerto para um possível cenário que chamo de “sarneyzação”. Ocorre quando há longa e profunda crise econômica, acompanhada de índices abissais de popularidade do presidente e completo descrédito nas lideranças políticas e nos partidos tradicionais. Ao final desse processo, aumenta o risco de surgir o salvador da pátria, por vezes um candidato outsider, como aconteceu com a eleição de Fernando Collor. O resultado a gente conhece bem.
Por tudo isso, creio que somente o diálogo com toda a sociedade, a negociação política e o restabelecimento das lideranças, em todos os setores, podem nos tirar desta situação tão preocupante, de forma sustentável. Acredito na política com P maiúsculo, embora não seja uma ciência exata. Como ensinava Ulysses Guimarães, “na política, o que parece fácil torna-se impossível; e o que parece impossível, resolve-se”. Oxalá, Klaatu! A alternativa é o fim do mundo que desejamos para as próximas gerações.
ICM
Em tempo: comprei os devidos direitos de reprodução do fotograma que ilustra este artigo, da histórica cena de The Day the Earth Stood Still (O Dia em que a Terra Parou – 20th Century Fox), na versão de 1951 . Pirataria é crime!
(Publicado originalmente no LinkedIn)
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