Pragmatismo ou jeitinho?

  • Por:Ibsen Costa Manso
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Nos últimos meses tenho visto tantas idas e vindas de Michel Temer, dos partidos de sua base aliada, PMDB, DEM e PSDB à frente, e até mesmo por parte da oposição, sem falar no ministério público, em mudanças na jurisprudência e no prende-e-solta do judiciário, que fico me perguntando se inventamos um pragmatismo à brasileira. Tipo a famigerada tomada de três pinos e a jaboticaba, que só existem e sobrevivem nestas paragens “descobertas” por Cabral .

 

Uma das principais razões apontadas para a derrocada política de Dilma Rousseff no Congresso é que ela não se revelou suficientemente pragmática. Não se adaptou, não seguiu à risca esse nosso modelo filosófico-cultural , com o objetivo de obter um mínimo de governabilidade para o País.

 

Alguns de seus antecessores, como Sarney, FHC e Lula, foram e são mestres da doutrina, criada originalmente por Charles Sanders Pierce (1839-1914), que em resumo poderia ser definida, de maneira um tanto simplista, com aquela velha máxima de que “os fins justificam os meios”.

 

Claro, há meios republicanos; outros nem tanto.

 

Por óbvio, o loteamento e aparelhamento da máquina estatal com critérios exclusivamente políticos, com o intuito de montar esquemas de desvios e pagamento de propina, enquadra-se nessa segunda categoria. Poucos governos no Brasil podem se considerar imunes a denúncias dessa prática condenável. Muitos, comprovadamente considerados corruptos, até o momento permanecem impunes.

 

O vice Michel Temer, que por hora está presidente, é também um desses nossos políticos pragmáticos com P maiúsculo. Montou seu governo, ainda provisório, sustentado por um amplo espectro de agremiações partidárias e das mais variadas forças políticas da sociedade. Ficaram à margem do poder, pelo menos por enquanto, o PT e outras legendas mais à esquerda, além de sindicatos, centrais e movimentos sociais alinhados a esse grupo.

 

“Por enquanto”, porque nos últimos dias surgiram notas aqui e acolá informando que, nos bastidores, Temer e Lula já estariam planejando uma reaproximação, que poderia ser útil aos dois e durar pelo menos até as eleições de 2018, ou até mais adiante, quem sabe. Todavia, ao que se vê hoje, o ex-presidente petista ainda cumpre tabela na campanha contra o impeachment, a cada dia, aparentemente, mais inevitável. A conferir.

 

Em mais uma peregrinação esta semana pelo Nordeste, Lula atacou Temer. Disse, em evento público, que o peemedebista quer privatizar porque não sabe governar. “Eles estão tentando criar condições para Petrobras, Banco do Brasil e Caixa Econômica serem vendidos. Mas eles podem saber o seguinte: eu sei (governar).” Há controvérsias. Lula mais uma vez abusou da retórica para tentar incutir temor nos incautos, como já vimos várias vezes antes na história recente deste País, de parte a parte.

 

Michel Temer já afirmou diversas vezes que a Petrobras e os bancos estatais são intocáveis. No entanto, será que amanhã, a depender das circunstâncias, isso poderia mudar? Afinal, temos de ser pragmáticos.

 

Também tem sido possível observar cenas explícitas de pragmatismo político na disputa pela nova presidência da Câmara. O discurso do Planalto é de não intervenção e unidade na base governista. Foi em vão. Mais de uma dezena de candidatos se lançaram na refrega. Alguns apenas para negociar uma saída honrosa, sabe-se lá a que custo.

 

Até aqui, o deputado Rogério Rosso (PSD-DF) era dado como franco favorito. Ele tinha o apoio de pelo menos boa parte do PMDB e do Centrão. Aliado de Eduardo Cunha, Rosso cresceu na política na esteira dos ex-governadores do Distrito Federal Joaquim Roriz e José Roberto Arruda. Não é o caso de nos alongarmos em biografias nesta oportunidade.

 

Hoje à tarde, porém, o PMDB decidiu romper com o Centrão e lançar um candidato próprio, Marcelo Castro (PI), ex-ministro da Saúde de Dilma.  Com esse curriculum, e por ter votado contra o impeachment, Castro também pode receber os votos do PT, apesar de Lula ter supostamente negociado um acordo com Rodrigo Maia (DEM-RJ), que conta com o eterno aliado PSDB, que hoje, pragmaticamente, como sempre, integra o governo peemedebista de Temer.

 

A eleição na Câmara está marcada para amanhã. Como se percebe, até lá e, provavelmente, por um bom tempo e para muito além dos jardins da Esplanada, essa ciranda pragmática não vai parar de girar.

 

Não é só no Congresso que essa filosofia impera.  Entidades empresariais e o mercado financeiro, por exemplo, são pragmáticos por natureza. A eventual volta de Dilma ao poder é vista por muitos como o final dos tempos. Assim, tem gente que acha melhor fechar os olhos para eventuais malfeitos perpetrados por integrantes do governo de plantão.

 

Na delação premiada de Marcelo Odebrecht, informou a IstoÉ, na edição de 8 de junho, ele teria dito que Dilma determinou pagamento de R$ 12 milhões de propina para o caixa 2 da campanha de 2014. Desse total, R$ 6 milhões seriam destinados ao marqueteiro João Santana; o restante, para as contas do PMDB. Já na denúncia encaminhada ao STF contra o ex-ministro do Turismo Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN) pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot, haveria a revelação de que Léo Pinheiro (OAS) teria entregado R$ 5 milhões a Temer, em troca da concessão do aeroporto de Guarulhos. Contudo, Janot não teria solicitado nenhuma investigação a respeito.  Essa informação foi publicada, como se diz no jargão jornalístico, “no pé de uma matéria” da Folha, no dia 6 de junho.

 

Repercussão desses fatos, impacto na bolsa, nos juros e no dólar? ZERO. Assim mesmo, em letras garrafais, ZERO, como, aliás, Michel Temer, em entrevista à Folha no último domingo, pediu que fosse grafada sua resposta, quando perguntado sobre a chance de se ver envolvido nos escândalos investigados.

 

Há sempre que se fazer a ressalva de que delação é uma coisa e prova é outra. Só o futuro dirá se há algo de verdadeiro em todas essas denúncias. Ou não.

 

Enquanto isso, correm no Tribunal Superior Eleitoral quatro ações de cassação da chapa Dilma/Temer.  No final de junho, a força tarefa da Lava-jato enviou ao TSE 79 arquivos contendo provas de pagamentos feitos pelo operador Zwi Skornicki e o Grupo Odebrecht ao marqueteiro João Santana na campanha de Dilma Rousseff de 2014.

 

Os advogados de Michel Temer adotaram uma tese de defesa que é no mínimo criativa, para não dizer prática ou, novamente, perdão, pragmática: as contas do PT e do PMDB foram apresentadas separadamente, cada qual com um CNPJ próprio. O tribunal ainda não decidiu sobre a validade desse argumento contido no recurso impetrado pelo PMDB.

 

Em entrevista às Paginas Amarelas de Veja, na edição de 6 de julho, Michel Temer pondera que se Dilma sofrer impeachment essas ações “perdem objeto”, ou seja, deveriam ser extintas. “É como se você estivesse dirigindo um carro, tivesse um acidente, matasse alguém e a pessoa sentada ao lado também fosse condenada”, explicou didaticamente o presidente interino.

 

Ora, como se ele tivesse chegado a Brasília sozinho, a pé. Na verdade, Temer foi conduzido até lá por Dilma e o PT, não por acidente, mas por carona partidária devidamente acordada entre as partes, com o uso, ao que tudo indica, de gasolina aditivada da Petrobras. O tanque cheio do financiamento eleitoral milionário levou a chapa à vitória. Em suma, se houve esquema, mesmo que Dilma e Temer não tenham se envolvido diretamente, ambos acabaram sendo beneficiados pelo propinoduto.

 

Uma fonte do TSE, contudo, relevou ao blog que essas teses de Temer começam a prosperar na Corte. É uma discussão de fundo: o judiciário deve ser exclusivamente técnico ou também poderia se render ao pragmatismo?

 

De qualquer forma, se o impeachment derrubar Dilma de vez e se o TSE der prosseguimento aos processos em curso, o julgamento só deve ocorrer no ano que vem. Caso a chapa seja cassada, segundo a legislação vigente, haveria eleições indiretas, no Congresso.

 

Como já publiquei aqui, já tramita na Câmara um projeto de emenda constitucional (PEC) que propõe eleição direta em caso de vacância na Presidência da República, a qualquer tempo.

 

Pragmatismo à brasileira é tudo isso aí e mais um pouco. Por aqui, por vezes, também tem outro nome bem conhecido por nós brasileiros: é o nosso “jeitinho”.

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