Em décadas de cobertura política no Congresso, aprendi uma lição básica, uma espécie de fórmula que permite prever, com certa segurança, o resultado das votações: deve-se observar os movimentos dos oponentes. Quem confia na vitória tem pressa. Quem enxerga a derrota como iminente, tenta ganhar tempo.
Meses atrás, o governo queria apressar a tramitação do impeachment para enterrar o atual processo ainda na Câmara. Hoje, trabalha para adiar a votação prevista para domingo. Contaria, assim, com um pouco mais de prazo para negociar apoio de novos aliados, em troca de espaço na Esplanada dos Ministérios.
Já a oposição, que desde o ano passado ansiava pelo crescimento das manifestações públicas contrárias ao PT e ao Planalto, hoje corre para colocar o assunto em plenário neste próximo fim de semana.
A colaboração premiada do senador Delcídio Amaral, a condução coercitiva para depoimento do ex-presidente Lula, o vazamento dos grampos, além de novas delações, serviram como catalisadores para esse ambiente tão aguardado pelas hostes oposicionistas.
De início, o rompimento anunciado pelo PMDB não provocou a debandada que se esperava. Cinco ministros do PMDB decidiram permanecer no posto. Isso realimentou as esperanças do governo para vencer a guerra em curso no Congresso. A decisão da legenda de entregar centenas de cargos sob seu controle possibilitou a criação de espaço adicional para neoaliados.
Contudo, as negociações que estão sendo conduzidas pelo ex-presidente Lula parecem não estar surtindo o efeito esperado. Nesta terça-feira, o PP, que tem 47 deputados e parecia estar prestes a ser cooptado pelo governo, anunciou ser favorável ao impeachment.
Esse lamentável toma-la-dá-cá fisiológico há tempos vem se tornando prática comum na política brasileira. Para ocupar o lugar deixado pelo PMDB, o Planalto manobra para ressuscitar o “Centrão”, como ficou conhecido o agrupamento de parlamentares conservadores formado nos anos 80 para servir de fiel da balança durante a Constituinte. O então líder do grupo, Roberto Cardoso Alves (MDB-SP), morto em um acidente de carro em 1996, explicitou, à época, com uma singela frase franciscana, a receita para garantir o apoio de sua tropa: “É dando que se recebe”. Entre outras propostas inseridas na Constituição de 88, o Centrão foi responsável por garantir um mandato de cinco anos para o presidente Sarney.
No governo FHC, ocorreram também denúncias sobre compra de votos para a emenda da reeleição.
Voltando ao presente, o Diário Oficial tem amanhecido recheado de exonerações e nomeações. Porém, o grosso das mudanças no governo, e talvez até uma ampla reforma ministerial, só virá se houver derrota do impeachment na votação da Câmara. Foi o que prometeu a presidente Dilma, em entrevista no Palácio do Planalto, dias atrás.
Ocorre que, promessas por promessas, o PMDB do vice-presidente Michel Temer também está articulando as suas. Já tem gente bastante tentada a abandonar o barco governista para tomar acento numa eventual nova gestão, embora ainda reine no carregado ar de Brasília o temor de embarcar numa canoa furada. Todavia, se essa tendência de piora da situação de Dilma ficar patente, o efeito manada será inevitável.
Outro indicador importante a se notar é a apatia, ou o nervosismo de líderes governistas. Ontem, a própria presidente Dilma fez um discurso extremamente duro. Sem citar nomes, claramente chamou o vice Michel Temer e o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, de traidores, conspiradores, articuladores de um golpe contra a Constituição.
Reza a boa prática política que se deve sempre preservar o diálogo, construir de pontes ― não implodi-las. Quem sair vitorioso dessa contenda precisará pacificar o País. Se não for assim, ficará difícil recuperar a governabilidade e acabar com a crise política.
O vazamento da gravação de Michel Temer, em que ele discursa como se já estivesse sentado na cadeira presidencial, pode ter sido a gota d’água no transbordamento de sua relação com a presidente. Dizem que a divulgação foi proposital. Temer afirma que foi acidente.
As repercussões foram variadas. Alguns consideraram que a suposta gafe serviu para imputar definitivamente ao vice a pecha de golpista. Já outros, como operadores do mercado financeiro, gostaram das mensagens contidas na fala. A bolsa subiu quase 4%, alta puxada principalmente pela valorização expressiva das ações da Vale (11%) e da Petrobras (8,93%). Depois de dois dias de queda, o dólar se manteve apenas estável, apesar da forte atuação do BC, que realizou quatro leilões de swap cambial reverso, o que não é muito comum, para tentar segurar a valorização do real.
A decisão do PP e a percepção de avanço do impeachment também contribuíram para esse movimento mais otimista do mercado.
Na prática, do ponto de vista político, os deputados indecisos foram o principal alvo da mensagem de Temer. Muitos enxergaram no discurso a tão sonhada tábua de salvação.
A oposição precisa colocar em plenário 342 deputados favoráveis ao impeachment. Na conta inversa, o governo tem de garantir 172 votos “não”, ou somar a eles ausências e abstenções.
Um experiente líder oposicionista contabilizava ontem mais 370 parlamentares a favor do impeachment. Já os governistas falam de cerca de 200 votos contrários.
É impossível saber quem está com o número correto. Domingo será o tira-teima. Isso é, se a votação não for adiada. O fato é que, hoje, a tendência não está nada favorável ao Planalto. Amanhã tudo pode mudar. Nos últimos meses tem sido assim, aos trancos e barrancos, sustos e solavancos, todo santo dia.
2 Respostas para “Agrava-se a situação de Dilma no processo de impeachment”
Excelente Forum para entender os bastidores da política em Brasília, especialmente nesse momento em que, novamente, após a redemocratização do país ocorrida no final da década de 80, ou seja, ha menos de 30 anos, estamos passando por um segundo processo de impeachment de um presidente da república, o que torna fascinante a leitura dos artigos publicados nesse blog.
Texto muito esclarecedor e informativo. Ajuda a entender o cenário político atual. Obrigada.